«O barulho da máquina preenchia a quietude da casa há dias. Era perene, contínuo, denunciava o desespero. Os pés pressionavam o pedal, trêmulos. O corpo da mulher doía, e a blusa larga que o cobria deixava à mostra os ossos salientes das costas. Eram duas horas da tarde e ainda não havia almoçado. As três meninas que trabalhavam com Silveria olhavam para a patroa com pena e medo. Não ousavam dizer mais nada. Já haviam insistido. 'Você vai morrer se continuar trabalhando assim.'. António costurava, em silêncio ainda maior, no canto do quarto. Fazia-o compulsoriamente. Não havia saída, mas acreditava que pregar panos também não seria a solução. À noite, quando se retirava para dormir, insistiu para a mulher deixar a máquina e acompanhá-lo. 'Não adianta você fazer roupa por oitenta centavos, não adianta para nada. Nós estamos trabalhando de graça', repetiu e repetiu, antes de bater a porta e deixar Silveria ali, sozinha. Ela, a máquina, e o barulho de desespero que preenchia o silêncio da casa.»